3.5.01

Acordar, Viver
Carlos Drummond de Andrade


Como acordar sem sofrimento?

Recomeçar sem horror?

O sono transportou-me

àquele reino onde não existe vida

e eu quedo inerte sem paixão.

Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,

a fábula inconclusa,

suportar a semelhança das coisas ásperas

de amanhã com as coisas ásperas de hoje?

Como proteger-me das feridas

que rasga em mim o acontecimento,

qualquer acontecimento

que lembra a Terra e sua púrpura demente?

E mais aquela ferida que me inflijo

a cada hora, algoz do inocente que não sou?


Ninguém responde, a vida é pétrea.


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